O apriorismo de Kant e suas conseqüências (IV)
Ora, uma gnosiologia que não extraia os seus princípios das vísceras do ser sempre acabará apelando a muletas com as quais não conseguirá subir à região da inteligibilidade dos entes. E este é justamente o drama do kantismo: a laboriosa análise “transcendental” feita na Crítica da Razão Pura está condenada ao malogro justamente por se dar num horizonte contra naturam intellectus — na medida em que as verdadeiras condições transcendentais da subjetividade humana não poderiam vir senão do ser (que Kant parece desconhecer absolutamente), e não de ilusórias categorias “a priori”. O ser é a raiz possibilitante sem a qual nem sujeito nem objeto do conhecimento poderiam sequer existir. Falaremos um pouco mais sobre isto quando trouxermos à luz os princípios da metafísica do ser de Santo Tomás de Aquino, pelo viés de sua redescoberta pelo italiano Cornelio Fabro, no século XX.
A “revolução copernicana” de Kant se consuma na idéia de que o objeto extramental (os entes, portanto) não orienta a inteligência e não a conduz, portanto, à verdade ontológica. Ao fim e ao cabo, nesse peculiar sistema é a inteligência que “cria” o objeto em sua própria imanência subjetiva. Como se vê, Kant é o ápice de uma longa caminhada filosófica — a chamada ontologia em primeira pessoa — que se iniciara historicamente no Cogito de Descartes, embora já estivesse esboçada em Duns Scot. Em suma, desarticulado do ser, como afirma Derisi, o conhecimento perderá totalmente a sua unidade objetiva e, com isto, se esvanecerá a unidade hierárquica entre todas as potências do “ato de ser” do homem (corpórea, vegetativa, sensitiva e espiritual).
Escapou a Kant e a todos os idealistas modernos, fundadores ou adeptos das filosofias mais abstrusas, que, para ser factível, o Cogito precisa de um cogitatum, ou seja: só podemos conhecer algo que é, ou, noutras palavras, que esteja posto diante de nossa inteligência como absolutamente distinto dela. Por esta razão, a identidade intencional entre o sujeito e o objeto do conhecimento é analógica, e não unívoca, pois quando nos apossamos da forma de outro ente nós o fazemos imaterialmente e sem deixar de ser o que somos, como aliás já ensinara Aristóteles, muito pouco estudado pelo filósofo de Königsberg.
A moralidade ou imoralidade dos atos humanos, num universo como este, será absolutamente arbitrária e irracional e provirá deimperativos categóricos cuja força normativa não é outra senão a da vontade individual. Partindo de tais princípios, aconselha Kant: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza” (imperativo universal); e “age de tal modo que possas fazer uso de toda a humanidade (...) sempre como fim e nunca como meio” (imperativo prático).
Nos Fundamentos para uma metafísica dos costumes
Por estas e por outras razões se pode dizer que Kant é o cume do voluntarismo antropocentrista que faz com que a lei e a moral saiam das entranhas imanentes da vontade humana. Com tal filosofia idealista, estamos como que esquizofrenicamente apartados dos entes e, também, de Deus, pois o centro das atividades humanas deixa de ser o ser extramental (os entes) e, a fortiori, o Ser Divino (o Ipsum Esse). Em Kant, o nosso acesso a Deus está formalmente vedado pelo solipsismo gnosiológico e pelo autonomismo moral que são a expressão máxima da sua filosofia.
Uma filosofia que encarna com particular ênfase a tragédia do homem moderno.
diz Kant que a representação de um princípio objetivo que constrange a vontade chama-se “ordem da razão”, e a fórmula de mando denomina-se “imperativo”, e entre elas não há um vínculo essencial, mas tão somente acidental. Como se vê, a sua moral não se apóia — e nem poderia apoiar-se — em nenhuma racionalidade, mas numa espécie de vontade cega desvinculada da inteligência, estando esta, por sua vez, sem quaisquer liames tonificantes com o ser.
Fonte: http://contraimpugnantes.blogspot.com/2010/01/o-apriorismo-de-kant-e-suas.html
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